Receita para lavar roupa suja


Mergulhar a palavra suja em água sanitária depois de dois dias de molho, quarar ao sol do meio dia.
Algumas palavras quando alvejadas ao sol adquirem consistência de certeza.
Por exemplo, a palavra vida.
Existem outras, e a palavra amor é uma delas,
que são muito encardidas pelo uso, o que recomenda aguar e bater insistentemente na pedra, depois enxaguar em água corrente.
São poucas as que resistem a esses cuidados, mas existem aquelas.
Dizem que limão e sal tiram sujeira difícil, mas nada.
Toda tentativa de lavar piedade foi sempre em vão.
Agora nunca vi palavra tão suja como perda.
Perda e morte na medida em que são alvejadas soltam um líquido corrosivo, que atende pelo nome de argura, que é capaz de esvaziar o vigor da língua.
O aconselhado nesse caso é mantê-la sempre de molho em um amaciante de boa qualidade.
Agora, se o que você quer é somente aliviar as palavras do uso diário, pode usar simplesmente sabão em pó e máquina de lavar.
O perigo neste caso é misturar palavras que mancham no contato umas com as outras.
Culpa, por exemplo, a culpa mancha tudo que encontra e deve ser sempre alvejada sozinha.
Outra mistura pouco aconselhada é amizade e desejo,
já que desejo, sendo uma palavra intensa, quase agressiva,
pode o que não é inevitável, esgarçar a força delicada da palavra amizade.
Já a palavra força cai bem em qualquer mistura.
Outro cuidado importante é não lavar demais as palavras sob o risco de perderem o sentido.
A sujeirinha cotidiana quando não é excessiva, produz uma oleosidade que dá vigor aos sons.
Muito importante na arte de lavar palavras é saber reconhecer uma palavra limpa.
Conviva com a palavra durante alguns dias.
Deixe que se misture em seus gestos, que passeie pela expressão dos seus sentidos.
À noite, permita que se deite não a seu lado, mas sobre seu corpo.
Enquanto você dorme, a palavra, plantada em sua carne, prolifera em toda sua possibilidade.
Se puder suportar essa convivência até não mais perceber a presença dela, então você tem uma palavra limpa.
Uma palavra limpa é uma palavra possível.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010



Entao,depois de mais um desses fins de semanas cheios de rock'n roll, resolvemos ir descansar na casa de uma querida amiga a Julia...
Banho, vasculhos na geladeira, gargalhadas e fofocas e entre uma caminhada aqui e outra ali pra procurar o cigarro, o isqueiro eu encontro "Meus Homens e minhas mulheres" um livro do Mario Prata... Olho pra ele,ele pra mim e depois olho pra Julia que assente com a cabeça, dizendo: - Sim, pode levar pra ler, vc vai adorar!!!
Ali entao, eu encontrara aquele que seria meu companheiro de risos e lágrimas por algumas semanas.

Ele é o inventário afetivo-amoroso do Mario Prata que,ao folhear a sua agenda telefônica (segundo ele, com mais de 600 nomes)percebeu que havia vivido alguma situação curiosa com cada um deles.
Então, resolveu selecionar os melhores “casos” (230 para ser mais exato)com os seus 120 homens e com 110 mulheres,reservando-lhes uma minicrônica.
E assim, no meio das descrições indiscretas e escatológicas sobre cocô,viados e putas, se vai acompanhando as mudanças de costumes,do país se transformando politicamente, a repressão pesada...
Tem ainda deliciosas histórias com o cartunista Angeli;com a atriz Fernanda Montenegro; Bebel Gilberto;Cacá Rosset (“Tudo que o homem faz na vida só tem uma finalidade: comer mulher”);Caetano Veloso querendo saber como é o negócio de dar pra mulher;Campos de Carvalho que morreu no mesmo dia que Jesus só pra sacanear;
Há também intelectuais vetustos em flagrantes delitos de relaxamento
como o Sérgio Buarque de Hollanda (pai da Miúcha) fumando cinco cigarros de maconha;
Cony tansloucado;Gabriel Garcia Márques; Ruy Guerra;a atriz Giulia Gam querendo roubar uma placa de mármore do túmulo de Pedro Álvares Cabral,lá em Portugal; Grande Otelo; Hebe Camargo ajudando amigos;Henfil; Joana Fomm fazendo "ousadia” com o Prata, e há também as histórias dos anônimos em passagens igualmente divertidas e desconcertantes.
Ele jura que consultou todos os personagens das histórias mais picantes, principalmente quando o assunto envolvia drogas e sexo.
O autor sugere que se leia o livro em ordem cronológica, mas eu acho muito mais prático e divertido ler o material como um romance fragmentado.
Bem é isso, se tiverem a oportunidade leiam e vao descobrir quanta coisa cabe numa agenda de telefones. ("MINHAS MULHERES E MEUS HOMENS" de Mario Prata, crônicas, 252 págs, Rio de Janeiro, Ed. Objetiva - 1999)

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