Receita para lavar roupa suja


Mergulhar a palavra suja em água sanitária depois de dois dias de molho, quarar ao sol do meio dia.
Algumas palavras quando alvejadas ao sol adquirem consistência de certeza.
Por exemplo, a palavra vida.
Existem outras, e a palavra amor é uma delas,
que são muito encardidas pelo uso, o que recomenda aguar e bater insistentemente na pedra, depois enxaguar em água corrente.
São poucas as que resistem a esses cuidados, mas existem aquelas.
Dizem que limão e sal tiram sujeira difícil, mas nada.
Toda tentativa de lavar piedade foi sempre em vão.
Agora nunca vi palavra tão suja como perda.
Perda e morte na medida em que são alvejadas soltam um líquido corrosivo, que atende pelo nome de argura, que é capaz de esvaziar o vigor da língua.
O aconselhado nesse caso é mantê-la sempre de molho em um amaciante de boa qualidade.
Agora, se o que você quer é somente aliviar as palavras do uso diário, pode usar simplesmente sabão em pó e máquina de lavar.
O perigo neste caso é misturar palavras que mancham no contato umas com as outras.
Culpa, por exemplo, a culpa mancha tudo que encontra e deve ser sempre alvejada sozinha.
Outra mistura pouco aconselhada é amizade e desejo,
já que desejo, sendo uma palavra intensa, quase agressiva,
pode o que não é inevitável, esgarçar a força delicada da palavra amizade.
Já a palavra força cai bem em qualquer mistura.
Outro cuidado importante é não lavar demais as palavras sob o risco de perderem o sentido.
A sujeirinha cotidiana quando não é excessiva, produz uma oleosidade que dá vigor aos sons.
Muito importante na arte de lavar palavras é saber reconhecer uma palavra limpa.
Conviva com a palavra durante alguns dias.
Deixe que se misture em seus gestos, que passeie pela expressão dos seus sentidos.
À noite, permita que se deite não a seu lado, mas sobre seu corpo.
Enquanto você dorme, a palavra, plantada em sua carne, prolifera em toda sua possibilidade.
Se puder suportar essa convivência até não mais perceber a presença dela, então você tem uma palavra limpa.
Uma palavra limpa é uma palavra possível.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

CHOVER, TRANSITIVO DIRETO


Sempre gostei de chuva,sempre foi uma espécie de fetiche, feitiço, poesia (é um dos atalhos preferidos da minha caneta). A chuva me alegra, me acalenta, me acolhe. Gosto do prenúncio da tarde nublada, da garoa, da gota pesada que despenca da árvore, da poça que prolonga o caminho. Gosto das madrugadas chuvosas.Sempre ignorei o guarda-chuvas (enfeia a cidade, atravanca a calçada e depois de usado se torna um estorvo; já o guarda-chuva fechado simboliza o pessimismo, é para quem acha que pode chover, quem está na chuva e não quer se molhar - há quem chame de precaução, mas para mim o precavido não passa de um pessimista). Gosto de permitir que a chuva me alague, me naufrague. Gosto do banho de chuva, do banho de infância, do “vem pra dentro menina”. Gosto da chuva fina, mais insolente. Gosto das tempestades, as mais furiosas. Gosto do abraço e do beijo sob a chuva. Gosto da chuva que molha a praça, mas não termina a festa. Gosto do meu licor forte e com chuva. Gosto de chover e sempre chove em mim, mesmo quando não chove. No entanto, nunca espero que o pluvial e o fluvial, no seu eterno espetáculo de amor e ódio, invadam o dia das pessoas com arrogância, com descaso, de mãos dadas – e que o desespero e a aflição sejam as cenas de todos os capítulos. Quando a água alcança o meu peito, o quadro da minha sala, a parede da minha alma, não é mais o poeta quem chove. As águas de março fecham o verão, mas são as de abril que saúdam o inverno. Sem nenhuma promessa.Mesmo que já seja Maio... Acordei chuvosa hj né??? aliás acho que nem acordei direito ainda... delirando...hahahaha. Tudo bem, dias de chuva são para isso também!

Um comentário:

Anônimo disse...

Nestes ares de outono, pelas bandas do sul, também "chove lá fora!"