Receita para lavar roupa suja
Mergulhar a palavra suja em água sanitária depois de dois dias de molho, quarar ao sol do meio dia.
Algumas palavras quando alvejadas ao sol adquirem consistência de certeza.
Por exemplo, a palavra vida.
Existem outras, e a palavra amor é uma delas,
que são muito encardidas pelo uso, o que recomenda aguar e bater insistentemente na pedra, depois enxaguar em água corrente.
São poucas as que resistem a esses cuidados, mas existem aquelas.
Dizem que limão e sal tiram sujeira difícil, mas nada.
Toda tentativa de lavar piedade foi sempre em vão.
Agora nunca vi palavra tão suja como perda.
Perda e morte na medida em que são alvejadas soltam um líquido corrosivo, que atende pelo nome de argura, que é capaz de esvaziar o vigor da língua.
O aconselhado nesse caso é mantê-la sempre de molho em um amaciante de boa qualidade.
Agora, se o que você quer é somente aliviar as palavras do uso diário, pode usar simplesmente sabão em pó e máquina de lavar.
O perigo neste caso é misturar palavras que mancham no contato umas com as outras.
Culpa, por exemplo, a culpa mancha tudo que encontra e deve ser sempre alvejada sozinha.
Outra mistura pouco aconselhada é amizade e desejo,
já que desejo, sendo uma palavra intensa, quase agressiva,
pode o que não é inevitável, esgarçar a força delicada da palavra amizade.
Já a palavra força cai bem em qualquer mistura.
Outro cuidado importante é não lavar demais as palavras sob o risco de perderem o sentido.
A sujeirinha cotidiana quando não é excessiva, produz uma oleosidade que dá vigor aos sons.
Muito importante na arte de lavar palavras é saber reconhecer uma palavra limpa.
Conviva com a palavra durante alguns dias.
Deixe que se misture em seus gestos, que passeie pela expressão dos seus sentidos.
À noite, permita que se deite não a seu lado, mas sobre seu corpo.
Enquanto você dorme, a palavra, plantada em sua carne, prolifera em toda sua possibilidade.
Se puder suportar essa convivência até não mais perceber a presença dela, então você tem uma palavra limpa.
Uma palavra limpa é uma palavra possível.
sábado, 21 de março de 2009
Carta Aberta ao Arcebispo de Olinda e Recife
Caro D. José;
Escrevo sobre a excomunhão dos médicos que praticaram o aborto dos gêmeos da
menina estuprada pelo padrasto, em Pernambuco.
Inicialmente, digo que não pretendo questionar ou criticar sua decisão:
o senhor agiu corretamente, em consonância com os dogmas e postulados da Igreja Católica.
Gostaria de pedir, isso sim, que já que o senhor está tomado pelo espírito de justiça segundo as Leis de Deus e as normas da Igreja, que prosseguisse com as excomunhões.Sugiro, por exemplo, que excomungue os políticos e servidores públicos corruptos, eis que eles violaram um Mandamento da Lei de Deus (não furtarás).
De quebra, o senhor poderia também excomungar os padres pedófilos, já que eles pecaram - de forma gravíssima, pecado mortal! Aliás, eu gostaria de perguntar: o criminoso e pecador padrasto da pobre menina violentada, esse foi excomungado?
Prosseguindo, o senhor deveria excomungar também as mulheres católicas que usam anticoncepcionais e os jovens católicos que fazem sexo antes do casamento usando camisinha, pois eles pecam contra a castidade, usando de artifícios para ter sexo apenas por prazer, e não para procriação.
Também excomungue os católicos divorciados, já que estes estão em permanente adultério. E já que está com a mão na caneta, aproveite e excomungue também os homens católicos que tem amantes, uma vez que estes também são adúlteros.
São as minhas humildes sugestões ao senhor, pelo bem do cumprimento da Lei de Deus!
Atenciosamente,
Alan Lacerda de Souza
Advogado e Professor
Brasília/DF
P.S.: A mim o senhor não precisa se preocupar em excomungar: de acordo com o cânon 751 do Cód. de Direito Canônico eu sou um herege, e por iss já fui excomungado latae sententiae, segundo o cânon 1.364, § 1º. Graças a Deus!
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